Text by Yanni Kostarias
Captured in a variety of facial expressions, gestures, and activities, Allan Gandhi’s
figures convey an ambiguous language that oscillates between meticulous oddity,
internal playfulness, and cool thoughtfulness. Through actions like smoking,
kissing, staring, or simply contemplating, his work offers multiple ways to
engage, inviting the viewer’s gaze to absorb the feelings emanated by the
painter’s unconventional portraiture. Gandhi’s facial close-ups aim to evoke
intimacy, creating compositions that explore both internal and external
aesthetics, an ongoing tension, and a desire to connect with his uniquely strange
depictions. Using a vibrant palette and applying oil paint in diverse hues and
tones, he develops a strong, dramatic painterly language that is transmitted even
through his characters’ facial expressions.
A blend of abstract and figurative elements enhances the dramatic tone of his
work. In paintings such as Capuz (2024), Face Lift (2023), and A barba com um
rost (2023), Gandhi delves into his more abstract side, applying gestural brush
strokes with seeming spontaneity. Here, he flirts with expressionistic techniques
while still defining his portraiture through a cohesive figurative style. By
contrast, in O Atirador de Facas (2023) and Cachorros no tapete (2023), he
adopts a distinctly figurative approach, creating a clear contrast within his
oeuvre. These thin boundaries between abstraction and figuration create a
dynamic balance and intrigue in his work. Often, his imagery is tangible and
recognizably human, with distinct bodily shapes, while at other times, his
character arrangements are hauntingly ambiguous.
Gandhi’s color palette is versatile, adapting to his technique’s shifting demands
and adding depth to his compositions. A faded effect is a significant part of his
style, giving way to harsh discolorations in certain areas without clearly
delineating shapes, allowing forms and colors to merge into a unique artistic
language. In his more figurative works, the palette renders aesthetically pleasing
results, whereas, in his abstract pieces, he uses color shifts to enhance his
characteristic sense of disorder. This interplay of vibrant colors and unusual
forms infuses the work with visual excitement. Long, curved noses, twisted lips,
thick eyebrows, small eyes, and big-headed male figures populate his
iconography, underscoring his characters’ duality and revealing a certain
confidence within an uncomfortable, vulnerable framework.
By deconstructing his characters to reveal both beauty and vulnerability, Gandhi
crafts a body of work rich in ambivalence, weaving together unconventional
narratives that brim with personality and creative eccentricity. While his strange
visual language might contort forms on his canvases, the viewer’s experience
ultimately finds depth in the screams, intricate gestures, and oddly tidy elements,
where a deliberate silence mediates with a vibrant expression.
Texto por Thiago Barbalho para a exposição “O Espelho”
Novembro 2024
Quando olhamos um espelho, o que vemos?
A pergunta pode parecer rasa, rasa como a superfície límpida à qual se refere. Mas, para Guimarães Rosa, o que vemos diante de um espelho é puro misticismo: se olharmos bem, no nosso próprio rosto refletido vemos o mundo se desfazer, se refazer, se revelar uma farsa e, finalmente, refletir um real infinito em duas simples íris oculares (1). Um pouco como Waly Salomão quando diz: "o olho por onde eu vejo deus é o mesmo olho por onde ele me vê"(2). Um pouco como a busca por um rosto derretido nas pinturas de Allan Gandhi.
Em conversas que tivemos no seu ateliê, Allan me deu a entender que todos esses rostos e corpos, suas fumaças e fusões entre espécies e objetos dos mais banais, eram o jeito de um sujeito comum procurar o que da sua pequena vida cotidiana de fato é real. É verdade: mesmo que ele não planeje, as pinturas de Allan fazem a jornada mística de derreter o real de si mesmo, feito o personagem de Rosa.
Com uma diferença de cara: as pinturas dão espaço para um gestual e um aparato pictórico e material ausentes na escrita, como se a imagem mole e mística do espelho pudesse ser moldada, fundida, esfumaçada na pincelada a óleo. Permitindo mudar de cor, brincando de trazer o céu, a fumaça, a luz da televisão para dentro do autorreflexo até se fixar. Nestas pinturas é possível deixar o mundo aparecer e sumir em névoas de verde, rosa, amarelo e azul. Porque, se somos todos máscaras como pensou Rosa, podemos também inventarmo-nos -- e sermos então mais coloridos, místicos, engraçados.
Mas, além da celebração desse gesto criador, o espelho também vira aqui metáfora para falar da revelação de tabus enquanto aquilo que está dentro de nós e não deixamos à mostra, apesar de real demais: a baba, o gozo, o peido. O vampiro que, ao contrário do imaginário sobre não ter reflexo, na tela-espelho de Allan enfim se revela. Se estamos tratando de revelar, vamos ter de ver a graça e a vergonha, a agonia e o êxtase em nós.
Deve ser por isso a escolha de bipartir a exposição em paredes que ficam de frente uma para a outra, como o dia e a noite, o revelado e o fugidio, dois espelhos paralelos e o mundo se inventando entre e por conta deles. Que assim seja.
1. ROSA, Guimarães. O espelho in Primeiras estórias. Global editora: São Paulo, 2019.
2. SALOMÃO, Waly. Poesia total. Companhia das letras: São Paulo, 2014.